quinta-feira, junho 30, 2005

Foi quase sempre


UM: Foi quase sempre pelo desacordo, ou pela clara enunciação de diferentes pontos de vista e modos diferentes de ver o mundo, que acabei por chegar às pessoas que um dia me haveriam de ser mais próximas.




DOIS: Na realidade estávamos a dizer coisas diferentes com as mesmas palavras. Sim, concordávamos um com o outro em quase tudo. E no entanto despedimo-nos com a estranha sensação de que não haveria no mundo quase nada que nos pudesse aproximar.

quarta-feira, junho 29, 2005

A Rainha de Inglaterra

..........................jcb

Os conceitos de eficácia e de racionalidade económica levam, por exemplo, a que os investimentos em tratamento de águas residuais sejam prioritariamente executados nas zonas onde a densidade populacional é mais elevada. Porque, calculada a relação entre o custo e o benefício, o investimento está justificado sem contas muito complexas, desde logo porque as obras por atacado saem mais baratas: com cinco milhões de euros, é um supor, garante-se o atendimento de uma população urbana de cem mil habitantes, o que dá um investimento de cinquenta euros/habitante; enquanto que o atendimento de uma população rural de cinco mil habitantes pode custar um milhão de euros, subindo então o investimento para duzentos euros por habitante.

Estas são as contas que geralmente se fazem, e que invariavelmente vão acentuando as assimetrias entre as zonas urbanas e as zonas rurais (o velho chavão do litoral vs. interior – enunciado que resulta duma simplificação apressada).

É também por isso que, em regra, as promessas eleitorais se dirigem com prioridade para os projectos e as acções que beneficiam as zonas com maior densidade populacional, ou, dum modo geral, as que atingem os grupos mais numerosos: porque também aí é mais elevada a relação entre os votos recebidos em urna e o investimento efectuado.

E é também por estas e por outras que a Rainha de Inglaterra (proprietária de uns hectarzinhos de terreno consideráveis) é das maiores beneficiárias, em toda a Europa, dos subsídios da Política Agrícola Comum. Não é anedota – embora até desse vontade de rir...

A luz de Junho















jcb

Clara, transparente, vertical
Esta luz só podia ter vindo do mar
Esta luz só podia ter vindo do sul

E continua azul
Mesmo enquanto se divide, indecisa
Entre as laranjas e a cal

Quase tudo















jcb

Depois dos incêndios
chegámos a desejar
poder regressar
a esses lugares
onde perdemos tudo

segunda-feira, junho 27, 2005

Regressos


jcb

Os amigos chegam, partem, regressam. Outras vezes estão longe. Ainda assim permanecem.

Uma árvore

Olhar uma árvore e por instantes imaginar que a árvore só existe porque as aves poisam nos seus ramos.

O amor

Nas nascentes da água começam também as sílabas do teu nome?

Escassez

A ironia de uma nuvem reflectida na água da cisterna.

sábado, junho 25, 2005

Um traço, 3


jcb

Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António


agostinho gomes

A questão já não é «como protegê-las». Mas «como protegermo-nos de nós mesmos».

Um traço, 2


jcb

Um traço, 1


jcb

Um arco


jcb

Memórias dum outro rio


jcb

sexta-feira, junho 24, 2005

O Verão, 4

o mar
e as aves
misturam no azul
as suas frases

O Verão, 3

como é possível
que uma sombra
de súbito
comece a iluminar-se
por dentro

Fábrica, 11 P.M.


jcb

A lua cheia parece nascer nas águas da Ria e reflectir-se no céu.

O Verão, 2


jcb

quinta-feira, junho 23, 2005

blogs

mas alguns se perdoam ligeiro

O que me espanta: como se é facilmente perdoado. Somos mais amados que justos?

[aqui]

terça-feira, junho 21, 2005

O Verão

É uma luz directa, clara, vertical.

(Anoitece.
Mas essa luz permanece
nas paredes de cal.)

segunda-feira, junho 20, 2005

O calmaço


jcb

Às vezes penso que gosto imenso do Inverno porque gosto imenso do Verão. Ou que, mais rigorosamente, não existe Inverno e não existe Verão: apenas tempo: a passagem do tempo: o desconforto do frio e depois o fogo das lareiras; as folhas que caíram e que depois, mais tarde, rebentam de novo; as flores, e depois os frutos; os primeiros dias de luz clara derramada nos pátios; e depois o Verão. E a felicidade, às vezes, muitas vezes, é só esse calor excessivo, essa nuvem de lume poisada nos ramos das árvores, nos lancis, nos muros de alvenaria.

sexta-feira, junho 17, 2005

Em Junho

Não suspeitámos que as sementes de junho nos pudessem rebentar na boca
enquanto os incêndios lavram nas clareiras
enquanto as nascentes avançam no centro da matéria combustível
enquanto as marés e os astros procuram as pontas dos fios de gelo
enquanto as crianças correm nos lancis dos pátios ou nos andaimes das obras
enquanto a noite move nos seus desenhos
as últimas sombras

quinta-feira, junho 16, 2005

Aviz: dois anos

Um abraço, Francisco.

quarta-feira, junho 15, 2005

René: o Ribeiro do Álamo




qual é o caminho que agora nos leva
ao ribeiro do álamo, rené?

e o que fazemos agora
do azul iluminado por dentro
que poisava
tão vagarosamente
nos teus quadros?

René



René Bértholo: Alhandra, 1935 - Algarve, Junho de 2005

Uma boa parte do mundo

Dá gosto passar por aqui.

[sem título]


jcb

«Estou aqui por causa do Manuel Batista. Uma vez encontrámo-nos em Lisboa, vinha ele a subir o Chiado. Perguntámos-lhe onde havia uma praia assim e assim, apresentámos-lhe um caderno de encargos que só visto... Eu calculava que uma praia que obedecesse àqueles critérios todos não existia... Ele pensou um bocadinho e disse: "Bem, uma praia assim, só se for a Manta Rota..." Viemos, apaixonámo-nos pela praia, comprámos esta casa, e pronto: nunca mais daqui saímos. Mas é curioso: se não fosse a Elna, que continua a gostar imenso de ir à praia de vez em quando, por mim não punha lá os pés...»

René Bértholo, em entrevista publicada na revista SUL, Outono/Inverno, 1998.

segunda-feira, junho 13, 2005

Eugénio, 1


jcb


Caem os sonhos um a um
e o sangue estremece.
Caem, e ficam no chão
de quem os morde e os esquece.

Farto de seiva, o dia amadurece.


Eugénio de Andrade: «As Mãos e os Frutos». 2ª edição, Iniciativas Editoriais, 1960.

Coisas que se dizem


jcb

Hoje, na 2:, Maria João Seixas garantia que «a Cultura é, antes de mais, um adubo». E eu a pensar que se for o sulfato de amónio tem vinte por cento de azoto e vinte e quatro por cento de enxofre.

Santo António


jcb

Dá gosto ver assim esta alegria de se estar em casa, e ser Junho, e haver fogueiras de alecrim para saltar, e as danças, e um sorriso largo de felicidade: Teresa Rita Lopes está em Cacela, sim, e vê-se que está feliz. Falamos dos poemas autógrafos e dos livros que haverão de ficar para quem chegue de longe e deseje ler: mais tarde se compreenderá melhor. Por agora é o regresso a casa, o cheiro do alecrim, das fogueiras que por nove vezes seguidas se saltaram. E é tempo de poemas. Como este: à flor da fala:


À flor
do riso
........à flor
........da mágoa
à flor
da pele
........à flor
........da água
à flor
do fogo
........à flor
........da fala
te persigo
........esquivo
........gosto
...............fome
...............funda
........tão sem
........rosto

Nas veias
me viajas


O poema de Teresa Rita Lopes é tirado do livro «Por Assim Dizer», De Viva Voz, Abril de 1994.

sábado, junho 11, 2005

As barragens

Os tempos já não são de escassez: e falta água. De haver tanta?

A nora


jcb

As águas subterrâneas eram aproveitadas com a parcimónia de quem sabe que a água é um recurso escasso. Finito. Suficiente.

A cisterna


jcb

Que nenhuma gota de chuva deixe de ser aproveitada. Para que a água, uma e outra vez, regresse à terra. E depois, uma e outra vez, passando pelos telhados ou pelas açoteias, regresse à terra. Uma e outra vez. E outra vez, de novo. Sempre.

quinta-feira, junho 09, 2005

Quase tudo

Se pudéssemos escolher apenas um nome e apenas um lugar
e em cada nome apenas uma das suas sílabas
e em cada lugar apenas um dos seus muros ou uma das suas árvores
e em cada árvore apenas uma das suas folhas
e em cada muro apenas uma das suas pedras
e em cada pedra apenas uma das suas faces
e em cada folha apenas uma das suas páginas
e em cada rosto apenas um nome
e em cada nome apenas uma das suas sílabas

e isso não se pudesse escrever
e isso não se pudesse fotografar

quarta-feira, junho 08, 2005

A noite


jcb

Diz-se «caiu a noite». Mas a noite, hoje, parecia começar a levantar-se a partir das sombras que as figueiras desenhavam na terra. Anoitecendo primeiro junto às raízes, e só depois nos troncos, e só depois nas folhas e nos frutos mais próximos do chão, e só depois nas copas ainda iluminadas por alguns instantes. E só depois a noite. A noite adivinhando-se ao longe nas dunas da península, nas encostas da serra. Até ficar apenas essa sombra espessa, fechada. E se acenderem, só então, as lâmpadas.

segunda-feira, junho 06, 2005

Santo António


jcb

Amadureceram. É o seu tempo. Figos de Junho. Figos de Santo António.

Dinossauros


jcb

Sempre achei que estes bichos tinham uma estranha altivez. Sem compreender de onde lhes poderia vir um ar assim altivo, quase insolente. Até que, num documentário, oiço um cientista a garantir que as galinhas descendem dos dinossauros. Bem me queria parecer. Está explicado.

Teoria da relatividade


jcb

Sim
mas tudo poderia ser diferente
todos os modelos todos
os teoremas todas
as teorias
se einstein te
visse
uma única
vez a
desatar
pela cintura
o desejo

domingo, junho 05, 2005

Lá fora


jcb

O ruído do mundo, o seu ruído de fundo, cada vez mais me quer parecer que não varia muito.

Península de Cacela


agostinho gomes

Um azul sucede a um outro azul que sucede a um outro azul que sucede a um outro azul

até que

(como é que diria Ibne Darrague Alcacetali?)

«a aurora chega, dorme e guarda como avaro o seu perfume.»

As aves


agostinho gomes

Os teus olhos adormecem

de passarem
as aves.

sábado, junho 04, 2005

Tardes de junho, 2


jcb

Tardes de junho em que uma única palavra é devolvida num clamor pelas tijoleiras vermelhas dos pátios.

Tardes de junho


jcb

Não são ainda os incêndios: apenas o lume das breves frases do amor.

Ser sage: evocação enviesada de Almutâmide

«E como é possível, mestre, ser simultaneamente sage e humilde?»

«Basta-te ser sage.»

quinta-feira, junho 02, 2005

Quase nada


jcb

As injustiças sucessivas que se abatem sobre o mundo rural não cabem nas primeiras páginas dos jornais. Porque não é costume caberem aí o esquecimento e a sobranceria. São pequenas coisas, pequenas cicatrizes. Pequenas coisas que se compreendem melhor nestas tardes de Junho tão próximas da perfeição: na súbita turbação do ar, no estremecer das folhas, no rumor do voo das aves, na ondulação quase imperceptível das águas da cisterna. Quem vem de longe, quem está de passagem, não vê. Não sente. Não compreende. E é só isso. Quase nada.

quarta-feira, junho 01, 2005

O mundo, 2


jcb

O mistério das raízes: da seiva que circula das raízes até ao fuste. O mistério de tudo o que começa: das sementes deixadas na terra, das nascentes da água, dos gomos florais, das crianças que correm desamparadas nos declives à procura do azul do outro lado do mar.