sexta-feira, setembro 29, 2006

Poema, 6

A mulher do poema
tem um nome
que não é
o seu.

Poema, 5

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Poema, 4

Um poema
não raro
diz uma coisa
e o seu contrário.

Poema, 3

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Poema, 2

Na Casa dos poemas
a tempestade
adormece
à entrada.

Poema, 1

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quarta-feira, setembro 27, 2006

terça-feira, setembro 26, 2006

Os problemas de linguagem, 1

A distância entre a voz e o eco; entre o que escreves e o que lês; entre o que dizes e o que procuras dizer; entre as frases do amor e o logro das rasuradas páginas dos livros.

O céu de Cacela em Setembro

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segunda-feira, setembro 25, 2006

Uma criança

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domingo, setembro 24, 2006

A sede

A sede era um dos seus nomes.

(Essa mulher mudava a órbita dos astros
fazia desaparecer as folhas dos livros de ciências que
falavam de planetas distantes
misturava nas levadas uma outra luz ainda próxima das águas subterrâneas
iluminava os pátios a partir das sombras dos meses de novembro
erguia as suas mãos acima das cisternas
tinha o poder antigo de curar ou enlouquecer através das palavras.)

sábado, setembro 23, 2006

Equinócio

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Os monstros afáveis, 3

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Romance

[Letra para uma música do meu amigo João Cunha]


Quando alguém te perguntar
se a paixão não te tocou
põe o teu olhar mais triste
fala mal de quanto existe
não deixes de suspirar

Por favor guarda segredo
de tudo quanto te disse
não contes que te ofereci
jóias falsas e um rubi
só para que tu sorrisses

Quando virem no teu rosto
uma luz quase invisível
uma luz de fim de Agosto
poisada assim no teu rosto
diz-lhes «isso é impossível»

Fecha-te ao mundo exterior
esconde o teu próprio sorriso
não contes do nosso amor
diz que a vida é um horror
mente quanto for preciso

Que o amor que nós jurámos
seja visto de relance
que os teus olhos só nos meus
nos façam dizer «meu deus
isto é história de romance»

Isto é história de romance

sexta-feira, setembro 22, 2006

Não me parece mal

Um poema em que acreditava alguma coisa teve, até ao momento, dez comentários. Dois referiam-se ao poema.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Pintura

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Setembro: as amêndoas

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terça-feira, setembro 19, 2006

O Tempo, 2

Há uma felicidade quase arrogante nestes rostos
tão afastados da morte. Como se as
águas do rio, as mesmas, uma vez e outra pudessem
regressar às raízes dos amieiros da margem
e ao talude em declive onde os amigos
se juntaram a meio do Verão
contra o futuro e todos os seus nomes
para fixar a preto e branco
a alegria impreterível
de terem do seu lado a juventude.
E a verdade é que, tantos anos depois,
ninguém morreu ou envelheceu.
E só hoje sabemos que há um instante indefinido
em que ficamos vivos para sempre.

Endereços

Há quatro ou cinco blogs que acabam por ficar. As visitas quase diárias nem sempre dão para mais. O blogame mucho é um de entre esses quatro ou cinco: não é coisa pouca. Entre a irreverência e o desassombro, o politicamente incorrecto e um lirismo às vezes marcado pela cicatriz do tempo que passa – o futebol tem o seu lugar, o lugar justo, o lugar que merece. Ultimamente, curiosamente depois da derrota do Sporting com o Paços de Ferreira, o blogame mucho desapareceu no labirinto do éter. Não se quis, por aqui, associar uma coisa e outra – o seu misterioso eclipse e o resultado dum jogo de bola. Mas temeu-se a coincidência, sim, até se descobrir que afinal apenas mudou o endereço do blog – e que isso nos perdera durante alguns dias. Respiremos de alívio, pois, e aguardemos a próxima entrada sobre o Custódio ou um poema sobre as tangerinas.

O Tempo

É uma fotografia antiga. A luz, como
quase sempre nas fotografias antigas,
parece irreal. O pinheiro do alepo
adivinha-se pela sombra tortuosa que estende

nos cubos da calçada, cortando
uma pequena parte do muro, poisando
nas folhas dum inverosímil vaso
de gerânios. Há uma mesa rectangular

de madeira junto ao portão da entrada
e quatro cadeiras de ferro. Num canteiro
lateral, delimitado por um rigoroso
lancil de cimento, crescem as margaças

quase a perder a flor. E por instantes é
como se nunca tivesse existido nada
para além do silêncio desse tempo e das sombras
inclinadas no pavimento do pátio.

sexta-feira, setembro 15, 2006

O que quer dizer, 2

Pergunta (v. post anterior): quantos, em casa de Pitágoras, se entregavam ao elevado desporto da ciência?

A resposta de Pitágoras a Polícrates

Dir-te-ei, pois, Polícrates,
o número dos que em minha casa
se rendem voluntários ao elevado
desporto da ciência:
a metade interessa-lhes
o estudo da matemática
e a uma quarta parte o culto
da natureza imortal;
um sétimo aplica-se
ao desígnio do absoluto silêncio
e do intemporal
discurso do amor;
e finalmente
há três mulheres
que estudam o movimento dos astros,
uma delas Teana,
a mais bela e clemente.



[Versão livre a partir de um dos enigmas da Livro XIV da Antologia Palatina]

quinta-feira, setembro 14, 2006

O que quer dizer

O que quer dizer «não percebo este poema»?

quarta-feira, setembro 13, 2006

Os comentários dos blogues

Nos limites da legibilidade
uma criança sobe os degraus da torre da Fábrica de Gelo
corre desamparada nos lancis da guarda periférica

atira-se de braços abertos a imaginar uma nuvem inversa

a queda no vazio recorda-lhe uma fórmula matemática
olha por instantes o relógio de pulso
imagina a distância que a separa do solo

cai finalmente nas páginas ímpares dum livro de poemas.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Damasqueiro

Nenhuma
flor
pesa mais

que a sua
própria
sombra.

domingo, setembro 10, 2006

Poesia

Miguel Silva, durante o I Encontro de Autores Residentes em Portugal, realizado em Coimbra, lamenta-se que «as editoras só editem quando sabem que uma obra dá lucro». É lamentável, de facto. Eu propunha, em nome da Poesia, legislação que obrigasse as editoras a editar quando sabem que uma obra dá prejuízo.

sábado, setembro 09, 2006

Para sempre

Se beberes comigo uma cerveja
no balcão de madeira
se vestires mais uma vez
a minha camisola do inverno
por ti eu mato-me de novo
amor.

sexta-feira, setembro 08, 2006

Ainda o Verão, 2

jcb


As nuvens azuis de silêncio
iluminam o Verão.
O mar de Setembro
ilumina o Verão.
As corridas das crianças
iluminam o Verão.
A cal dos muros dos prédios
ilumina o Verão.
Os degraus das açoteias
iluminam o Verão.
A água remanescente das cisternas
ilumina o Verão.
As raízes breves das amendoeiras
iluminam o Verão.
O ondulado das dunas
ilumina o Verão.
Os fios de esparto
iluminam o Verão.
A tijoleira do pátio
ilumina o Verão.
As marés do equinócio
iluminam o Verão.
A memória dos teus nomes
ilumina o Verão.
As sílabas demoradas de Setembro
iluminam o Verão.

terça-feira, setembro 05, 2006

Ainda o Verão

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O lodo

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Partes do mundo

Há partes do mundo que são território exclusivo dos filhos da puta. Só eles dispõem dos códigos de acesso. E aí vegetam ou levitam por instantes simulando a elegância, e aí chafurdam ou dão a ilusão de praticarem voo livre ou o estilo crawl em águas dúbias.

Viagem

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Em vez das imagens

São duas ou três coisas apenas e te perseguem
desde sempre como se às vezes nem pudesses
levantar os pés do chão na sua ausência.
Em vez das imagens, em vez de trocarmos poemas
por m@il, em vez de retomarmos exaltadas
polémicas sobre a morte da Paisagem ou os tons
de cinzento nas encostas frias de novembro
a beber cerveja nas esplanadas, deixemos apenas
a cicatriz doer-nos
e fiquemos assim conversados.

domingo, setembro 03, 2006

Outra vez os monstros afáveis

Os monstros afáveis
não sabem como acender as luzes
como transformar a sombra no iodo das lâmpadas
como desenhar uma nuvem azul na água dos tanques
quando a noite adormece nos taludes
como tirar as páginas em branco
do fundo das cisternas
enquanto o outono deixa as suas desprotegidas aves
a caminho dos açudes.



jcb

Os exemplos, 2

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Os exemplos, 1

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sexta-feira, setembro 01, 2006

O Livro, 3

Aldonza Lorenzo, a mulher real, não existe ao longo de todo o enredo do Livro. Aldonza, a mulher real, só existe por um instante para que Dulcinea del Toboso, a personagem imaginada, verdadeiramente exista para sempre.