quarta-feira, junho 27, 2007

Nas despedidas

Os amigos
deixam nos restaurantes
em vez dos endereços
a promessa de que regressarão sempre
à cidade onde os morangos
crescem nas bermas das estradas
e uma única laranja
iluminará para sempre
os corações indefesos
das crianças.

segunda-feira, junho 25, 2007

A caminho de casa

Como se o vento os levasse a caminho de casa

cavalos de espuma erguidos nas águas
com a memória ainda das primeiras palavras.

terça-feira, junho 19, 2007

Fado

Gostava de escrever letras de fado.
Falar dum coração que não existe
se a dor o não tocar ou não for triste,
se o mundo não ruir, desmoronado

de tanta vil angústia e desalento.
Gostava desses temas nos meus versos:
de ter todos os dias mil pretextos
pra invocar um crime ou um lamento,

a insídia, um aneurisma, um anexim
antigo, um nó fatal na coronária,
traições, o luto, as penas do inferno.

Gostava tanto de escrever assim.
Detesto a minha obra literária.
Detesto ser poeta e ser moderno.

domingo, junho 10, 2007

As curiosidades etnográficas

As curiosidades etnográficas
ficam bem
nos retratos a preto e branco
e nos poemas.

Termos em desuso

Termos em desuso,
objectos
de museu de província: recuperamos
o que não queremos.

A distância

A distância
é um dos pressupostos
para falar em paz
do que ruiu.

O desvio, 2

O mato cresceu nos carreiros, nas veredas,
nos atalhos, no desvio que levava aos terraços
das vinhas, à parcela onde procuravas
temporão o renovo. A casa era uma consequência

da paisagem: dos lugares onde florescia
a planta inúmera das sete pétalas, do modo
como as argilas se depositavam nos vales
ou nas vertentes da encosta, dos declives,

das linhas de encontro ou de separação das águas.
A ruína começou nas paredes, nos telhados,
nos muros de pedra: quando começou
o mato a crescer no desvio que levava aos terraços

das vinhas, à parcela onde procuravas
temporão o renovo. E tudo é agora indiferente:
se as palhas ficam nos solos, se os medos não exigem
as rezas, se já nos montes não vagueiam as luzes.

O desvio, 1

jcb

quinta-feira, junho 07, 2007

Um único objecto

São tantas as coisas que se misturam
para que a memória devolva um único objecto:
as toalhas e um cântaro com água, uma caixa de música,
as manchas da humidade nas fotografias

da parede, a chuva a bater nos vidros da janela,
a escaleira de pedra, uma árvore. Mas antes
a água primeiro escorrendo num fio por entre
os caules das ervas; as argilas, os finíssimos grãos

da aluvião; uma horta defendida pelos muros
altos; os matos; o bosque: só depois
o segredo de curar ou enlouquecer
tocando com as mãos nos ombros das crianças:

só depois da casa e dos caminhos de terra
batida; só depois dos minúsculos açudes e do labirinto
dos canais de rega; só depois das sementes
espalhadas num chão lavrado; só depois do fogo

e do rumor do vento nos arames das vinhas.
São tantas as coisas que se misturam
para que a memória devolva um único objecto:
a faca de cortar o pão.

sábado, junho 02, 2007

Lua cheia

jcb



Uma luz muito leve, vagarosa, fica poisada nos muros de cal e nas folhas das árvores. Como se só então os pássaros de Junho pudessem adormecer.

sexta-feira, junho 01, 2007

Memórias

jcb