domingo, fevereiro 03, 2008

Capítulo I

(Onde se apresenta Aline, se reflecte sobre o prazer e o tédio e se fala de uma casa afastada do mundo)

1.

Interrogamo-nos sobre o que é o prazer e descobrimos com surpresa que não há uma definição possível. A ideia de prazer depende de variáveis inúmeras: geográficas, temporais, sociais, culturais. Depende de quase tudo. Numa aldeia do interior, na montanha, nos anos sessenta do século vinte, o prazer poderia decorrer da possibilidade de alguém ficar à noite junto ao fogo da lareira com uma caneca de vinho e um caldo do pote. Hoje, mesmo entre pequenos burgueses, confunde-se facilmente com o hedonismo. Uma finíssima membrana separa o prazer (enquanto libertação das amarras do quotidiano comum) e os seus perigos. A sensação de bem-estar tende para a preguiça, o prazer da comida tende para a gula e o prazer sexual tende para a anulação do desejo. A temperança é uma exigência do prazer e simultaneamente a sua bomba-relógio.