domingo, março 30, 2008

31.

Pelo rectângulo da janela atravessada pelas grades (conta Maria Teresa) vê-se uma fita estreita de azul poisada nas telhas do edifício das Finanças. São dez e pouco da manhã. Não há uma nuvem de chuva ou neblina entre a terra e o céu. A camioneta da carreira segue a caminho do largo do Toural num rumor sobressaltado; não tarda que os gases e a poeira venham misturar-se à sombra húmida que desliza do pátio interior e depois se espalha pelo chão e pelas paredes da cela. Pelo rectângulo da janela atravessada por quatro ferros verticais vê-se por instantes a camioneta da carreira a passar em frente às Finanças. E depois uma nuvem de gases e poeira. Há vinte e seis meses exactos, subindo ao Alto da Ribeira, a patrulha da Guarda dá-lhes voz de prisão. Serapião Afonso e João Pequeno vêem-se de novo no posto da Guarda, de onde tinham saído ao fim da manhã. Mas agora a coisa fia mais fino: o doutor Magalhães aparece à entrada da porta acompanhado de Américo Matias; vêm com cara de caso. «Os senhores são acusados de assalto ao cofre da câmara municipal», dizia o cabo Mateus, «e há testemunhas idóneas. Aqui presentes, aliás». Que os viram a entrar no edifício pela banda do quelho, pela janela lateral que forçaram e retiraram do engonço; que estava era arrependido de os não ter encarcerado logo de manhã quando começaram a armar confusões no Toural com o Cardoso à mor da merda das vacas; que agora o que era preciso era repor o dinheirinho do cofre das receitas, e pronto.