segunda-feira, março 24, 2008

19.

Luísa (continua Maria Teresa) vai às compras. Em frente ao armazém de mobílias parece que pariu a galega. São dez e quarenta e cinco. Américo Matias olha a prancha original do convite desenhado pelo Lindinho e é surpreendido pelo brilho do papel couché a reflectir um rosto de mulher: seu sorriso rasgado e atrevido, suas pálpebras em leque. Luísa tem uma saia quase à altura dos joelhos, um decote furqueiro, o cabelo apanhado num pregador colorido. Uma aragem leve mistura no ar o aroma denso do alecrim e por instantes é difícil distingui-lo do aroma da sua pele muito branca, das suas mãos movimentando-se enquanto fala, das suas mamas espetadas contra a blusa de riscado. Américo, interdito, não diz coisa com coisa. Na loja, na penumbra da loja, Luísa corre a estante das louças. Dona Fernanda não olhará a despesas para que o senhor professor (parece que é professor) possa juntar ao prazer da carne de cabrito a volúpia de um serviço de jantar com paisagens dos alpes ou flores entrelaçadas. Uma dúzia de copos de pé alto, uma dúzia de taças, outro tanto de pratos com o desenho de um lugar idílico, campestre, em azul cantábrico, duas travessas, uma terrina de sopa. Luísa corre a estante das louças. Américo Matias vai olhando de lado; e passa a língua pelos lábios secos.