sábado, abril 19, 2008

11.

E é então que Fernando me propõe um jantar em casa de Américo Fontes. Américo é a principal voz da contestação. Foi ele, Américo, quem juntou uma dezena de homens e obrigou à intervenção policial: não aceitava o avanço das plantações na encosta por baixo do Voluntário, nas pastagens que o carvalho-negral pontuava em pequenos maciços e nas bordaduras junto aos muros antigos erguidos com pedras irregulares de granito. Fernando considerava fundamental trazer Américo para o nosso lado; que era preciso «estratégia». Américo admitira receber-me; não apenas receber-me: fazia questão de que «o senhor engenheiro aceitasse cear com os pobres». Era no Verão. Tinham passado os meses de chuva, de geada, de vento, da neve a descer dos montes, a ficar poisada nos muros da Vila, a misturar-se na lama das ruas, a mudar a paisagem como num milagre sem nome. Os pessegueiros floriram e os frutos desenhavam-se nos seus ramos; as folhas dos freixos e dos vidoeiros entravam por dentro das tardes com o seu verde quase exuberante; a Veiga mudava de cor e uma estranha geometria impunha as suas formas como num mapa de fronteiras desenhadas a régua e esquadro. Ao fundo, nos montes, dos festos aos talvegues, desmatavam-se as encostas para que o futuro pudesse reconhecer o perfil dos pinheiros bravos e o odor da resina.