sexta-feira, abril 25, 2008

17.

Sentia-me confuso. Sinto-me perdido à medida que o tempo avança e aumenta o fascínio por um lugar que tarda em pertencer-me. Há uma contiguidade dos homens, dos seus gestos, das suas memórias, com a terra onde nasceram e ergueram as árvores, lavraram os campos ou abriram valas de rega. Há um fio que liga o coração e as raízes dos negrilhos. Eu vinha de fora. E, aos poucos, imaginei poder vir a fazer parte desta geografia. Eu vinha de fora com a missão de criar uma paisagem. O mundo acaba por pertencer-nos quando uma espiga nos entrega, múltiplo, o primeiro grão que semeámos. Imaginava as encostas desenhadas pelos meus cadernos de campo e pelos planos de plantação. Imaginava um território a que começaria a pertencer à medida que esse mesmo território, devolvido por um espelho de palavras, me fosse pertencendo. Mas cedo compreendi a extensão do logro. A paisagem é sempre a consequência do modo como os canais construídos regulam a circulação das águas da chuva ou de nascente; dessa relação antiga entre o lugar e a mão. Como se alguém dissesse: aqui um rio, aqui uma árvore. E só então o mundo fizesse sentido.