sexta-feira, agosto 29, 2008

2.

Há uma diferença entre regressar ao passado e ficar preso nos fios do seu intangível labirinto, ou regressar para vivermos nele o futuro. João Pequeno, em fins de Fevereiro de mil novecentos e trinta e um, nesse preciso instante em que a noite caía no porto de Santos, fugia mais de si e do seu tempo do que procurava um tempo novo. As imagens antigas, esses retratos devolvidos de modo imprevisto, o caminho de terra batida ou um rosto, a luz excessiva ou a varanda sobre o pátio onde crescia uma figueira, não haveriam de servir-lhe para fundar um novo tempo e encontrar-se ou procurar um novo caminho que a memória dos caminhos antigos ajudam apenas a definir melhor nos traçados novos. João Pequeno fugia de si e regressava ao que não existe; fugia de si mesmo mais ainda do que, nesse preciso instante em que caía a noite e o navio saía do porto de Santos a caminho do largo mar oceano, lhe era possível adivinhar. E foi assim que chegou à Casa do Meio da Aldeia que o padrinho lhe deixara em herança; e foi assim que chegou à Vila, numa manhã muito fria de Março, e achou, quase doze anos depois de ter fugido do posto da Guarda por entre dois tiros indecisos, que tudo estava igual e tudo era diferente.