sábado, novembro 15, 2008

5.

Os muros intransponíveis é um modo de dizer
confesso que nunca fui muito dada à inventariação dos escombros
que nunca foi o meu exercício preferido este de retirar as camadas sucessivas de sedimento
o entulho acumulado do lado de dentro das palavras e das fotografias dos aniversários
o de reconstruir a peça de cerâmica de renda
o de puxar por um fio e trazer de longe a memória dos fustes densos das árvores inclinadas nas margens antes do inverno
confesso
nunca a melancolia me comoveu da distância que vai do sonho à devolução das suas estilhaçadas imagens 
eu olhava a chuva oblíqua dos poemas e via o retrato iluminado das searas pelo verão imenso
eu entrava nas represas e só ouvia o rumor das águas desenhando nas pedras o círculo imperfeito da passagem do tempo
confesso
dos paraísos às vezes é preciso fugir a sete pés 
prefiro o veneno da transfiguração 
prefiro ao júbilo o prodígio da ignorância ou o reconhecimento da precariedade do prazer
confesso que nunca fui muito dada à inventariação dos escombros
eu quero tudo e o seu contrário
às vezes apetecia-me dizer 
«eu sou a deusa das contradições».