sábado, dezembro 06, 2008

7.

Leonardo teve que acompanhar-me e defender o projecto que parecia condenado a não passar o primeiro crivo: o da «integração paisagística na envolvente». Aos técnicos do município causava-lhes particular maçada «a empena de cimento à vista», para não falar do portão vermelho do pátio que, «está a ver, não se coaduna». Eu ainda perguntei: «Mas não se coaduna com o quê?» A resposta pareceu-me sábia, defensiva, evasiva: «Bem, desde logo com o espírito do legislador; é ver o RGEU.» Impunha-se um resumo: a casa (eles diziam «a ruína») localizava-se em Reserva Ecológica Nacional e não existiam evidências de que o alpendre fosse uma pré-existência, o que obrigava a uma «consulta interna do ponto de vista jurídico», ponderando-se melhor a letra exacta da mais recente alteração ao diploma – «porque antes, oh, era taxativo: proibição de quaisquer novas áreas impermeabilizadas»; e, por outro lado, prevendo-se a reconstrução de muros no exterior, e sobretudo uma intervenção de suporte de terras no talude erosionado, exigia-se a obtenção de prévio parecer favorável da Comissão Regional da Reserva Agrícola Nacional. Bem. Cada coisa a seu tempo. «Comecemos então pelas questões específicas do projecto.» O chefe de divisão urbanística, numa voz calma, num tom pedagógico, ligeiramente enfadado com a nossa incompreensão das leis, explica: «Está a ver, isto é uma intervenção em meio rural; e lá diz o artigo centésimo vigésimo primeiro do RGEU, na sua actual redacção, que uma nova construção não pode prejudicar a beleza das paisagens; trata-se dum princípio liminar de indeferimento; isto para não invocar a conjugação com as disposições genéricas do PDM sobre as áreas rurais ou com o número dois do artigo vigésimo quarto do sessenta de dois mil e sete no que respeita às condições especiais relativas à estética das edificações. Ora, a ruína [eu, em vão, procurava corrigir: a casa] localiza-se em área de especial relevância paisagística e na proximidade [eu, em vão, procurava corrigir: a mais de cinco quilómetros por um caminho de pé posto] de uma aldeia preservada – para usar, se me permitem, a terminologia legal. Tudo o que seja cimento nas empenas ou pinturas nos vãos em vez de madeira à vista, está a ver, é contrariar o espírito, ou mesmo a letra, do legislador. Veja se me compreende: estas objecções prévias que levantamos é no seu interesse; não vá dar-se o caso de o processo, dando entrada oficial nos serviços com tantas pontas desligadas, levar a um indeferimentozinho que nunca mais, não sei se está a ver.» Leonardo, as faces vermelhas, crispado, movia-se na cadeira da sala de reuniões. Em silêncio, tocando-lhe no braço, olhando-o nos olhos, encareci que se acalmasse. E disse: «pois muito bem: vamos então, ponto por ponto, ver no que concluímos. Se houver alterações a fazer, fazem-se. E não quero ser, acreditem, o responsável pela destruição das paisagens, pelo incumprimento do artigo centésimo vigésimo primeiro do RGEU ou pelo desrespeito ao espírito do legislador.» A coisa corria assim há três meses; esta era já a terceira reunião; eu, confesso, começava a ficar um bocadinho cansado.