domingo, janeiro 18, 2009

4.

Nessa altura, antes ainda do Verão, não eram nítidas as fronteiras. João saía de casa, do labirinto de ruas, e olhava o mar. O automóvel corria então na estrada por entre as casas dispersas e as vinhas, as alfarrobeiras, os pomares de citrinos, os terrenos lavrados. No Golf Atlântico, na divisão de infraestruturas, partilhava com o encarregado geral um pequeno gabinete no tardoz do club house. Uma janela larga devolvia-lhe a paisagem dos campos em redor: alfarrobeiras e oliveiras a erguer-se por entre os relvados dos greens. Como se, apesar de tudo, a paisagem se repetisse. Os personagens, claro, vinham de universos diversos: a frontalidade quase ostensiva dos homens do Sertão a jogar à sueca em voz alta, pedindo rodadas sucessivas de cerveja ou cálices de aguardente de figo, discutindo uma balda ou uma renúncia como se os astros rodassem em função de quarenta cartas batidas numa mesa de fórmica; ou a atenção, feita de reservas e regras dos livros de estilo, dos jogadores de roupas de marcas repetidas e sorrisos prontos. Pequenas diferenças a demarcar as fronteiras. De um lado o cuidado, a delicadeza de catálogo: «I didn’t see you here yesterday. Is everything fine with you?» Do outro lado a crueza desarmante, espontânea: João tinha ido ao cinema, ao Fórum, com o Vicente. E quando, emocionado, deixou no rosto o enunciado de uma furtiva lágrima, no momento em que o Titanic começava a afundar-se nas águas, o companheiro não se teve que não lhe dissesse: «E choras de quê, mó? Me até parece que o barco é teu.» Quase já as fronteiras, portanto, a definir-se. Mas o Verão não irrompera ainda nas paisagens litorais. E João ficava em casa, uma e outra noite, ligado ao mundo pelo computador portátil.