domingo, abril 19, 2009

[Os Sete Epígonos de Tebas]

OS QUE SE DEDICAM ÀS ARTES CÉNICAS

Agora me lembro –
do fundo das noras erguia-se
a labareda
das rosas
dos quintais.
Aprendera a respirar
abaixo
da linha de água.
Mas não era possível ainda
enlouquecer
pela perseverança
nas artes cénicas. E então as mulheres dos montes
viravam os estrados
para o lado de dentro
dos teatros
como se o luxo
da estreia
fosse quase insuportável
e irradiasse nos espelhos
das cerimónias. Agora me lembro –
do modo como o pêndulo
na imensa manhã desse tempo
oscilava
nos ensaios
e
ia e
vinha.


A VARA INCANDESCENTE

Mais que a tempestade ou o dilúvio
o crepúsculo
era o inverno. Porque no interior
da treva demorada
as roldanas dos poços
e a ferrugem
exerciam o ofício de trazer aos alguidares de barro
os rumorosos
óxidos
das nascentes:
e moviam as alavancas
de queimar a urze
nos pátios: e poisavam nas mesas
de pão
o brilho
estrangeiro
das missangas
preciosas. As crianças adormeciam – se o
vento varria nas varandas
a vagarosa vara
incandescente
do ulmeiro
jovem.

Nota: Estes dois poemas fazem parte do original vencedor do Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama 2009. Em «Os Sete Epígonos de Tebas» estabelece-se um jogo de espelhos com a obra de Herberto Helder – com os riscos inerentes, claro, de o lume dessa poesia queimar os versos que a confrontam.