sexta-feira, julho 31, 2009

[Junho]

Eles diziam «as intempéries» e a ondulação
recomeçava na água dos tanques.

terça-feira, julho 28, 2009

[A indiferença]

Talvez nunca venhas a saber que palavras
ou silêncios se escondem
por detrás desse rosto
fechado
enquanto a crueldade da noite fica poisada lá fora
no pavimento
das esplanadas
do inverno.
Os risos e as vozes misturam-se
nas mesas
como se a alegria pudesse regressar
de uma outra noite
iluminada. E só tu
não sabes
se a indiferença
é ou não é
uma das cartas
do jogo.

sexta-feira, julho 24, 2009

[Quase um programa para o Verão de 2009]

Boicotaram
a estação de socorros
a náufragos

desenharam no areal
a fronteira
que os separava do mundo

entraram nas águas 
com a 
ondulação do levante

podiam enfim
afogar-se
juntos

quarta-feira, julho 22, 2009

Outro poema

Outro poema de Miguel Godinho:

*

Às vezes esqueço-me de onde estou
um pinhal em chamas e eu no centro
de isqueiro na mão

terça-feira, julho 21, 2009

Os Nossos Dias

A editora 4Águas continua o seu trabalho notável na edição de poesia. É uma editora a Sul, atenta, criteriosa, misturando valores consagrados ao que merece consagrar-se. Depois de «ainda aqui este lugar», de Pedro Afonso; «Doze Poemas de Saudade», de Fernando Cabrita; «Os Animais da Cabeça», de Rui Dias Simão, e «69 Poemas de Amor», de Casimiro de Brito -- acaba de anunciar um novo título: «Os Nossos Dias seguido de Os Lugares Antigos», da autoria de Miguel Godinho. Em breve nas livrarias. A merecer a nossa atenção. Porque Miguel Godinho escreve assim:

*
Quase nunca o mundo é um mundo melhor joaquim
quase sempre nos deparamos com a arrogância
gente grande aos olhos deles próprios

dancemos loucos na procura de um Deus maior
na procura de uma verdade evidente
dessas que custam pouco a imaginar
o mundo é a ignorância do amanhã
é a vontade de nos escondermos joaquim
nada mais para além disso

segunda-feira, julho 20, 2009

[A memória]

A memória do teu corpo
cicatriz que
não fecha.

quinta-feira, julho 16, 2009

[A locomoção]

Ele dizia «eu movo-me
de ver crescer o trigo
na umbria». Porque há um momento
em que a heresia e a coragem se confundem
e a baixa densidade dos núcleos
remove
por intuição
a desmesura
das memórias
descritivas
dos interesses. Ele desenhava a cidade
a graffiti. Ele fazia as plantas
e os alçados
dos contentores das obras de restauro
e projectava os jardins
nas periferias
contra a cartografia dos planos
recentes. Ele dizia
«eu sou movido pela dissolução da água»
como se a locomoção
fosse uma questão
de regime.

terça-feira, julho 14, 2009

[Um poema antigo]

Repetir os nomes das árvores:
olaia, bétula, negrilho, alfarrobeira;
a cerejeira do fundo dos muros e os admiráveis
brincos da infância; o carvalho negral
e as folhas ténues trazendo às colinas
os primeiros meses de Abril.
Dizer em voz alta os nomes
dos lugares onde parece
que o mundo se suspendeu
para que pudéssemos regressar
à água e ao lume, à terra
e ao éter e à varanda incandescente
das tardes de Verão: Gardunho
e Segirei, Cacela, Voluntário, Vilarinho
Seco. Roubar à caligrafia
os nomes da manhã acabada de nascer:
nuvem onde poisamos as mãos.

segunda-feira, julho 13, 2009

[Em vez dos bastidores]

Em vez dos panos nos bastidores: a narrativa –
a linha descontínua de estrelas incineradas
com a língua
autóctone
a servir de espelho à água: a libertar-se
da âncora genealógica
pela destruição do livro
dos exemplos. E da meteorologia
o que retinham
era antes dos ciclones
a minúscula nuvem deslaçada do vento: até ao alicerce
e à raiz e à álgebra. E então aprendiam a ler
e a mover no ábaco
as doze contas
errando propositadamente
as sílabas antigas
todas.

domingo, julho 12, 2009

Intervalo

§ Quando tememos perder uma coisa é como se já a tivéssemos perdido.

§ As coisas só começam verdadeiramente a pertencer-nos no exacto momento em que tememos perdê-las.

§ Só nos pertence o que não é possível perdermos.

sexta-feira, julho 10, 2009

O livro, ainda

Excertos. E ecos do que vai acontecendo em redor do romance «O Prazer e o Tédio» -- que aqui mesmo, neste blogue, correu entre 3 de Fevereiro de 2008 e 3 de Janeiro de 2009.

quinta-feira, julho 09, 2009

[As mãos]

O temor
de que fosse pecado
a exaltação:
isso as levava a afastarem
da boca dos fornos
o ferro
e o alumínio. E recuavam
deixando na pedra
os aventais azuis
para que a massa resplandecesse
na divisória
incandescente
à rarefacção do ar.
E ouvia-se ao
longe o rumor contínuo do tempo. As mãos
a procurar ainda –
a esconder ainda:
o lareiro das fornalhas, a levedação,
os milagres.

terça-feira, julho 07, 2009

[Nos pátios]

Eu quero para sempre a fasquia dos incêndios
de mil novecentos
e oitenta e seis. As tábuas da cancela
de vilarinho seco
esculpidas
a navalha. A memória
dessa noite em que
juraste pelo vento
dos meses
de novembro. A faca a desenhar
um coração
no chão de cimento
dos terraços. As águas
de nascente
de valdarada. A primeira nuvem
a entrar
na órbita
dos meteoros. O fogo
das lareiras
a aquecer as vasilhas
de ferro. O momento em que as mães
correm à janela
se a poeira se levanta
nos pátios.

segunda-feira, julho 06, 2009

Se Pudesses Regressar

Nova actualização: aqui.

sábado, julho 04, 2009

[Poema]

sexta-feira, julho 03, 2009

quinta-feira, julho 02, 2009

[M. R.]

DUAS CRIANÇAS

Duas crianças olham o mar.
Como se o mundo 
estivesse a começar.


UMA ONDA

Uma onda e depois outra:
o mundo é feito
de repetições.


O SILÊNCIO

O silêncio inúmero da tarde
quebrado pelo rumor
de um búzio.


MARÉS

As tuas pálpebras subindo
e descendo: marés
do equinócio.