sexta-feira, novembro 30, 2012

[letra para uma canção]

Num tempo antigo tu disseste que o amor
não era mais que a nossa pedra no sapato
óculos escuros desses de tirar e por
o nosso amor fazia-se em sentido lato

Num tempo antigo tu disseste «é o que faltava
o amor que mata é só o amor que sobrevive»
estarmos tão livres era um nó que nos atava
estarmos tão presos era a forma de ser livre

Depois um dia sucedeu-se a outro dia
custava tanto no silêncio respirar
e um labirinto em vez do xis era o que havia
no nosso mapa de tesouros de brincar

Que coisa é essa que persiste e sobressalta
será verdade que sempre sobressaltou
como é possível sentir tanto a sua falta
como é possível um amor se não se amou

Óculos escuros desses de tirar e por
só isso resta do amor neste retrato
e no entanto hoje sabemos que o amor
foi muito mais que a nossa pedra no sapato 

sexta-feira, novembro 09, 2012

[não sonhavam com outro desenho]

remendavam a roupa
consertavam os utensílios do uso corrente
partiam do princípio de
que cada objecto não podia ser
substituído por outro
amavam o que lhes pertencia como se nenhuma
outra coisa pudesse vir a pertencer-lhes

depois
olhavam da varanda o
perímetro dos muros do cadastro
podia ser de manhã
podia ser ao fim da tarde
não sonhavam com outro desenho
com nenhuma regra que previsse
o alargamento
de fronteiras

quinta-feira, novembro 08, 2012

[outra fonte em klee]

.
.

jcb. acrílico sobre papel.
.

sexta-feira, novembro 02, 2012

[não conhecíamos os restaurantes bons]

Que saudades tenho desse tempo
em que não conhecíamos os restaurantes bons
não havia telemóveis
encontrávamos sempre os amigos
a horas desencontradas

subíamos uma rua
descíamos do outro lado do passeio
olhávamos as ementas a adivinhar as meias
doses por detrás dos preços
espreitávamos por um vidro
da janela a
sala das refeições

A comida
o serviço
o ambiente
o bom-gosto o
mau-gosto que procurávamos adivinhar
olhando as gravuras das paredes
tudo era sempre um milagre
pelas melhores
ou pelas piores
razões

Não facilitávamos no vinho
lembro-me
pedíamos a carta
fazíamos de conta
que conhecíamos as marcas todas
éramos uma espécie de príncipes
à procura de um trono

É verdade que não tínhamos
dinheiro para
mandar cantar um cego
ou pôr um manco a correr
é verdade que nesse tempo
não temíamos a censura das frases
politicamente incorrectas

Apenas subíamos a rua
descíamos a rua
à procura de um restaurante
que não tinha outro nome
que o de estarmos
juntos

[estas vilas e estas cidades]

Estas vilas e estas cidades que conhecemos só de passagem
estas vilas e estas cidades que as
auto-estradas deixaram fora das rotas da infância
estas vilas e estas cidades com prédios de seis andares e
marquises e persianas de plástico
com bairros de vivendas de desenhador e
pequenos jardins com anjinhos a mijar nas
fontes pré-fabricadas de cimento
com loteamentos cheios de impasses nas periferias
e passeios com ervas e candeeiros que ninguém
ligou ainda à electricidade
estas vilas e estas cidades com os nomes dos
restaurantes desenhados em velhos toldos azuis
com arquitectura moderna e casas em ruína
com alamedas de lódãos
com um coreto nos largos de canteiros ridículos de
relva em forma de biscoito
estas vilas e estas cidades sem alma
estas vilas e estas cidades a quem cometemos a
injustiça de acharmos que não têm alma
porque se calhar somos nós que já não temos alma

são as vilas e as cidades que eu amo
como se desde sempre me pertencessem

[comovo-me sempre]

Vejo os filmes sobre a história de jesus
e comovo-me sempre com o anjo
da caverna da anunciação
comovo-me sempre que vejo
a d. dolores aveiro no camarote de honra
do santiago barnabéu
comovo-me quando vejo a mara
da casa dos segredos a dizer «os portugueses»
ou a alexandra a explicar as razões de
um triângulo equilátero
ter seis lados iguais
comovo-me quando vejo o
director geral dos impostos a
brincar com os filhos numa tarde de domingo
comovo-me sempre que alguém chora
ou alguém ri
como se fosse eu que estivesse
a rir
ou a chorar

quinta-feira, outubro 25, 2012

[na província]

trocávamos tudo
por tão pouco
o largo com meia-dúzia de lâmpadas na noite de agosto
o duo de música pimba no atrelado de um tractor
os amigos em redor da roulote a
beber cerveja
em copos de plástico

quarta-feira, outubro 10, 2012

[palavras]

a distância que vai das palavras ao significado delas
do cartaz das manifestações ao texto do memorando
das entrevistas e dos comícios às reuniões
estratégicas
da coligação

as questões de linguagem
o cálculo
o uso que se faz das frases ao longo do tempo até
uma coisa significar o seu contrário

a erosão dos signos
a distância que vai do que é
ao que se diz

 

segunda-feira, outubro 08, 2012

[as golas dos açudes]

o mecanismo é o mesmo

nas golas dos açudes
à superfície
é quase invisível o círculo a transformar-se em elipse
mas depois a força helicoidal da massa de água
puxa os corpos para o
buraco da descarga de fundo
como a acção de um íman
sobre objectos metálicos
minúsculos 

o mecanismo é o mesmo
pensamos sempre que vemos o que não vemos
é uma tarde vagarosa com
a luz a atravessar os objectos
mas o buraco está debaixo de água e
é imune aos discursos das boas intenções
é refractário à sintaxe

é assim nas golas dos açudes
a hélice invisível puxa-te até ao fundo
primeiro parece apenas uma ligeira rarefacção do ar
depois sentes que a respiração é cada vez mais difícil
no último instante compreendes que

o buraco tem espaço suficiente para passar a cabeça
mas que é impossível
passar o resto do corpo



[publicado originalmente aqui: http://chaves.blogs.sapo.pt/846393.html]

segunda-feira, outubro 01, 2012

[Como se fosse eu mesmo]

Não posso ver estes programas parvos
estes programas das noites de fim de semana que
puxam à lágrima mais fácil
à emoção por educar
ao sentimentalismo mais primário

sobretudo quando os jovens estão a ser completamente iludidos
quando se lhes dá a ideia de que a fama os espera ao virar da esquina
de que os aplausos os acompanharão até serem velhos
e que ainda assim depois de velhos
haverão de ser premiados nas galas
que reconhecem as carreiras

sobretudo quando são emigrantes
sobretudo quando não estudaram
sobretudo quando pensam que estudaram
sobretudo quando são jovens das periferias urbanas
cresceram a ver os pais à bofetada e aos gritos
têm a avó num lar da misericórdia
ninguém a visita
um encargo de que nos temos que livrar

Não posso ver estes programas parvos
sem que as lágrimas me corram na cara duas a duas
sem que o coração me fique apertado dentro do peito
como se fosse eu mesmo
que estivesse à prova
quando lhes dão o palco do horário nobre
para os enganarem do modo mais vil
para os humilharem
para fazerem deles gato-sapato
como se as audiências justificassem
tudo

quinta-feira, agosto 23, 2012

[5: tiro ao alvo]

perdia
propositadamente
a ver se em vez do alvo
te acertava no coração

[4: mesmo quando/ não corres]

eu quero sempre
que ganhes
mesmo quando
não corres

já vês
porque não trouxe de londres
mais que a medalha
de prata

[3: a bandeira de xadrez]

dessem-te
a bandeira de xadrez
e eu ganhava a etapa
da senhora da Graça

[2: antes de ser pedra]

antes de ser pedra
a água
é como a luz
que procura a sombra

[quadras ao gosto popular. 1: a melancolia]

a melancolia
é quase sempre
o que separa a nuvem
da água da nascente

quarta-feira, agosto 22, 2012

[a volta a portugal em bicicleta]

o último classificado da etapa
garantiu a quem o quis ouvir
que não teve nem por um instante a sensação
de que a senhora da Graça o ajudasse
na subida em espiral
e que se não fosse um popular
acudir-lhe com água
não seriam as rezas que o levariam à meta
e que já nem sabia o que dizer
senão que as lágrimas
que agora lhe corriam pela face
só podiam reverter do desgosto de compreender
que não merecia a ajuda que não teve
e que lhe custava sobretudo
não tanto ficar na cauda do pelotão
mas por um instante vacilar na fé
e ter acreditado mais que na senhora da Graça
na água das nascentes
quando estava quase a desfalecer

[o verão quente]

não é o verão quente
apenas nos termómetros o calor
eleva o mercúrio

quarta-feira, agosto 08, 2012

[Nessa noite em que mataram/ Santiago Luís Fernandes]

Nessa noite em que mataram
Santiago Luís Fernandes
no passeio em frente ao café O Túnel
compreendeu-se que as previsões meteorológicas
podem falhar
por causa de uma navalha
mais do que por um imprevisto deslocamento
do anti-ciclone
dos Açores

Estava previsto que nem uma
aragem
corresse
tu dormias como sempre
era quase do outro lado da rua
não acordaste
não ouviste sequer o vento
não ouviste sequer a chuva
a bater descompassadamente nos
vidros
da janela
do quarto

Deviam ser contas
antigas
nenhuma das doze testemunhas
soube explicar a razão de se ter puxado
a navalha
Santiago bebia cerveja e discutia um
jogo da taça da liga
nem se deve ter apercebido que a súbita
dor aguda
vinha de uma lâmina
iluminada pelo brilho
de um reclame
de néon

Tu dormias como sempre
como agora dorme Santiago Luís Fernandes
como agora
do outro lado do mundo
alguém acorda
alguém adormece
indiferente ao fio da navalha
aberta
na esplanada
do café O Túnel
antes de começar a chover

num dia em que a
meteorologia
previa
que nem uma aragem corresse
durante a noite

quinta-feira, agosto 02, 2012

sexta-feira, julho 27, 2012

[o filme]



[um convite]

terça-feira, julho 24, 2012

[a ignição dos interesses]

é mais antigo o que vem da cinza dos incêndios
mapas que parecem mal desenhados propositadamente
contas dos ábacos trocadas umas pelas outras
discursos de navios de ouro destinados afinal ao
comércio dos naufrágios
e depois é isto a
discussão estéril sobre estratégias de combate
como se isto fosse uma guerra
como se as guerras não devessem resolver-se num
tempo anterior ao da deflagração
ao da ignição dos interesses

quinta-feira, julho 19, 2012

[Os críticos literários]

A luz subia os degraus e
parecia ficar exausta nas tábuas
de castanho da varanda. As mulheres
da casa adormeciam
dessa luz incandescente
e de deixarem enredados nos dedos
os fios dos novelos
de lã. De um a outro lado do vale
oscilavam apenas os
desajustados movimentos
das máquinas de rega. Era quando
os críticos literários elogiavam
a verosimilhança.
Mas as mulheres acordavam
e sobre as páginas dos livros não ficava
senão a marca imperecível
de um fio de lã
a desenhar num bastidor
os corações inusitados
das palavras.

[As festas do Senhor do Monte]

O parecer do meu avô era o
de que o vinho deixado no frigorífico
quebrava. Nas vésperas
do Senhor do Monte ia durante
a noite à ribeira e alinhava as garrafas
entre os seixos e as ervas
altas. A meio da manhã do dia seguinte
gostava de tirá-las da seira
de vime desviando os
fentos ainda húmidos e despejar
num copo de vidro esse
líquido vivo e ligeiramente fresco
que olhava à transparência. No último
sábado de Julho o calor agarrava-se
à pele e ficava durante
muito tempo poisado nos terreiros
de saibro. Depois da procissão
os peregrinos estendiam os liteiros
nas sombras do pinhal
enquanto não fosse o tempo
de se aproximarem dos coretos a
ouvir os metais e a percussão
das filarmónicas. O meu avô começava
por essa altura a ficar impaciente
e a insistir no regresso
a casa. E recusava-se a aceitar
as bebidas tiradas das arcas
frigoríficas cheias de gelo
com a certeza de
que o vinho e a vida e o amor
quebravam quando eram
aquecidos ou arrefecidos
por métodos artificiais.

quarta-feira, julho 18, 2012

[A água/ de ser evaporada]

O silêncio parece pronto
a explodir nos veios do volfrâmio.
Já nos lagares minúsculos
do cimo dos prédios se preparou
o sulfato das vinhas. O rumor
de pêndulo dos pulverizadores
mistura-se às folhas e aos ramos
como a única evidência de
que somos nós a passar
pelo tempo e a mover
os relógios das sombras. Muito
ao longe deslaça-se a água
de ser evaporada nos incêndios
das florestas. E é então
que as mães descem dos pátios
e correm e gritam a chamar as crianças
temendo que os tremores
de terra tragam à superfície
as súbitas raízes cor de
laranja dos álamos jovens.

terça-feira, julho 17, 2012

[Apenas mato e árvores]

Ergue-se entre caruma e a ondulação dos montes
que a distância vai deixando mais azuis
uma espécie de voragem
que parece impedir
a respiração. Apenas mato e árvores
e descendo para o vale os muros de pedra arrumada
a esconder pequenas hortas e os arames
das vinhas como fios lentíssimos
de água que o Verão se prepara
para transformar em nuvem
de horas. Pressente-se
na resina a labareda do ar.
O tempo parado à espera que alguém
corra nos caminhos de saibro
ou de muito longe se oiça de novo
o rumor descontínuo dos motores
das máquinas de feno
a queimar o gasóleo.

terça-feira, julho 03, 2012

[Comentários de alguns intelectuais a propósito do europeu de futebol]

Já vi gente de pouca instrução a falar
emocionadamente da Vénus de Milo
ou a esforçar-se por compreender os mecanismos
que nos permitem fruir um objecto
e passar a sentir além do que sentíamos
conscientes de uma nova experiência
que vem da descoberta desta
respiração assistida. E isso sei
 
que leva muitas pessoas sem especial instrução
a esforçar-se por procurar o instante
a partir do qual a fruição de uma
obra de Mark Rothko é já um outro lugar
além do lugar onde estávamos.
Também conhecemos todos
 
esses indisponíveis para a emoção estética
que chamam picassadas a
toda a pintura que não imita o real
como se a arte não fosse
exactamente o contrário: interrogar o real
a cada momento que passa.
O certo é que dos intelectuais haveria

de esperar-se uma outra disponibilidade
para o entendimento mais geral
da mecânica das artes: dos intelectuais
que não compreendem
que o futebol é tão belo como a Vénus de Milo
haveria de esperar-se
no mínimo a humildade do reconhecimento
dessa incompreensão ou dessa indisponibilidade
para aceder à emoção sobressaltada
de uma experiência nova: haveria
 
de esperar-se o reconhecimento
da distância que os separa das qualidades do objecto
e assim os impede de aceder
ao milagre de uma 
respiração mediada. Mas oh
 
nem pensar: muitos intelectuais
caem com uma simplicidade impressionante
nas armadilhas da vulgaridade
e do pior que fecha por dentro
as cápsulas estáveis do lugar
comum. E dizem coisas do género
 
tanta gente a morrer de fome
e a sociedade a idolatrar uns selvagens
cheios de dinheiro que não sabem fazer mais
nada do que dar uns pontapés na bola.
 
Estes mesmos intelectuais
ficam de pêlo eriçado
se os que morrem de fome
ou perdem os empregos
não atingem que um quadro de Paula
Rego inspirado na Madame Butterfly
seja vendido por oitocentos
e cinquenta mil euros em tempo de crise
ou que o retrato de Henrietta
Moraes atinja em leilão um valor superior
a vinte e cinco milhões. Aceito
 
que ao meu amigo
Adolfo lhe custe compreender o preço
que se paga por uma mulher assim enviesada
só porque Francis Bacon
a pintou: custa-me que um intelectual
não compreenda que há no futebol
uma arte feita de um conjunto
de várias artes
e que essa arte contemporânea vai
muito além da caricatura tão apressada
de uns ignorantes ao pontapé
 
na bola. Mas ainda bem que o preconceito
não anda apenas do lado dos que riem
da pintura abstracta
para se perceber que os artistas
e os intelectuais em geral
não são mais nem são menos
do que um cavador de enxada
ou do que um alfaiate meu conhecido
que escondia a sete chaves
os moldes de pano cru
para que não lhe copiassem a arte
de fazer um fato de caxemira.

sexta-feira, junho 15, 2012

[Os Rurais]

Primeiro treinamos o disfarce de sermos cosmopolitas
e depois procuramos livrar-nos dos disfarces
de fazer de conta que o somos: tiramos as máscaras
com a ilusão de que assim nos disfarçamos melhor
e de que assim nos é possível fazer de conta
que não trazemos merda agarrada aos sapatos.
Nas grandes cidades chegávamos a dar-nos

bem: Paris ou Copenhaga não são muito
diferentes de uma aldeia de montanha
no que respeita ao modo como os outros nos olham
e olhamos os outros. Quer dizer: a cumplicidade
ou a distância que entre as pessoas se estabelece
nos pequenos lugares não é substancialmente
diferente da que o anonimato proporciona
nas praças e nos largos das urbes. E ser rural

chegava a deixar de ser esse peso de falarmos
ou fazermos um gesto e descobrir-se
à distância a pesada pronúncia ou o cheiro
da urze entranhado na pele. O problema
são os espaços sociais de média dimensão:
um jantar com amigos de amigos num restaurante
caro ou uma conferência num anfiteatro
sobre a imortalidade da alma: o nosso inglês
mesmo que seja perfeito vê-se que foi aprendido
a custo nos livros de um liceu
da província; os nossos fatos têm sempre
desusados vincos e parece que foram
feitos para alguém um pouco mais gordo
ou um pouco mais magro do que nós; os nossos
argumentos filosóficos descambam inevitavelmente
no senso comum e risível dos provérbios;
e nunca acertamos os talheres ou os copos
com as protocoladas necessidades deles.

Compreendemos um dia que não adianta
colocar uma máscara e outra máscara
sobre o rosto ou retirá-las todas na ilusão
de que assim nos é mais fácil disfarçar
a ruralidade que somos como se não pertencêssemos
ainda e para sempre aos lugares afastados
onde nascemos e onde ficámos mesmo quando de
lá saímos muito cedo. E portanto resta-nos

ser rurais e trazer a merda agarrada
aos sapatos com a arrogância e a displicência
com que os cosmopolitas à mesa manobram
os talheres bastando-nos a nós o disfarce
de não sentirmos vergonha quando não sabemos
se é de faca e garfo ou com uma colherzinha
de entre tantas facas e tantos garfos e tantas colherzinhas
que nos devemos meter ao petit gateau de chocolate.

Claro que não é isto que pode salvar-nos.
Mas a partir de certa altura já quase
nos basta ter uma máscara que nos disfarce
até sermos exactamente o que somos.

terça-feira, junho 12, 2012

[Uma Viagem]

Quando este poema for publicado on-line, falando
de lugares mágicos, espero estar aí, nesses
lugares, a dormir nas margens de um rio
com a ilusão de que, em parte,
me é permitido regressar a uma parcela ínfima
dos sonhos que ao mundo não foi ainda
dado roubar-nos. Há um caminho,

primeiro, a percorrer. Antes de chegar
ao Mousse. Antes de chegar ao Mente. Antes
de chegar às margens de um rio onde os
amigos haverão de dormir sob um céu de estrelas
ou ameaçadoras nuvens. E seis árvores, precisamente
seis, haverão de confirmar-nos que poucas
coisas mudam no mundo, e só vagarosamente
mudam, quando nos conformamos
com os milagres do mundo. Haverei, a

caminho, de parar em Mairos. Para
confirmar que uma horta que é um jardim,
ou um jardim que é uma horta, ou uma horta
e um jardim que são simultaneamente
a mesma coisa, continuam acertados com a
meteorologia e as estações, ou acertados
com a imprevisibilidade delas. Talvez aproveite
para beber cerveja neste café a que se chega
por um corredor estreito de cimento. Mas apenas
porque me apetece ficar um pouco sentado cá fora
a olhar um cacto gigante e uma couve, um campo
de milho ou uma sebe de buxo e alecrim, e essa
arte tão antiga de domesticar as plantas
e misturá-las para nos darem um fruto, uma
sombra mais alargada, uma luz no outono
ou o prazer dos fenómenos. Haverei, então,

de virar à esquerda, a noventa graus. E depois
entrar na capital da batata, no planalto ecológico,
nessa vastidão de campos que são já
da Galiza sem deixarem de ser da Terra Fria,
que são já fronteira sem deixarem de ser
continuidade e aproximação. E aí, em
Travancas, no Café Central, é provável
que beba cerveja. Mas apenas para me sentar
na esplanada e continuar a olhar a cerejeira
que cresce rente a um muro, do lado
direito, na estrada que em seguida me levará
a Argemil e a São Vicente da Raia. E em

São Vicente, depois de acompanhar o rio
serpenteando sem derivações bruscas, antes
de se olharem, do alto, os vales com os
seus quadriculados amarelos e verdes,
as encostas erguendo-se em modulações
entre o verde e o castanho, é provável
que pare por alguns momentos
e beba cerveja. Mas apenas porque
me há-de apetecer ficar sentado a uma
mesa de pedra, sob uma latada
ampla, a olhar o ondulado das cumeadas
sucedendo-se na distância. Descerei

então em apertadas curvas deixando Aveleda
à esquerda arrumada num pequeno vale
com o xisto quase improvável a sair dos montes
para as paredes das casas. E, enfim, chegarei
a Segirei. Não seria necessário continuar
até Segirei: porque deveria virar à direita
antes de chegar a Segirei. Mas é preciso regressar
às memórias antigas de um café que
já fechou há muito, e às memórias antigas
da cozinha e do pátio e da adega da casa
do Ramiro. Por isso não chego a parar. Sigo
devagar, faço inversão de marcha no espaço
mais alargado da ponte da praia fluvial,
e rumo em sentido contrário, deixando
novamente Segirei e o tempo suspenso da
revelação dos seus nomes. É

esta a viagem: chegar a Pejas. Encontrar
os amigos que me esperam na margem
de um rio. Olhar as seis árvores, precisamente as
seis árvores onde procuro a demonstração
de que o mundo quase não muda, e muda
muito vagarosamente, quando apenas
nos bastam os milagres do mundo. Sentar-me-ei

então em redor de uma mesa de madeira.
E talvez não beba cerveja. Mas vinho. Para
que o vinho possa deixar durante muito tempo
a memória dos encontros, a memória
dos milagres, a memória desse
momento de aparição em que por um instante
breve nos é revelado o mistério de estarmos
vivos em nós mesmos e no coração
dos que não podem deixar de amar-nos para sempre.



[publicado originalmente aqui: http://chaves.blogs.sapo.pt/800324.html]

quarta-feira, maio 16, 2012

[outro endereço, 1]

pode ser essa suspensão
o tempo
esse milagre de um gesto irrepetível

o desejo a precariedade
a oscilação de um pêndulo
cujo movimento chegámos a
suspeitar pertencer-nos
para sempre

e depois adormecíamos de sermos ainda
demasiado jovens
ou o inverno repetir demasiadas vezes os
seus nomes
as suas insuportáveis sílabas
os seus demasiados gestos de
nos tocar nos ombros o
desastre
da enunciação



para o joaquim

terça-feira, maio 08, 2012

[14 de Agosto de 1385: ala dos namorados]

eram muito jovens
lutavam pela pátria
como quem acredita ainda no amor

só caíam no campo de batalha
os que uma lança
inimiga
tocasse
no coração

[um peixe]



jcb. acrílico sobre radiografia.

segunda-feira, abril 30, 2012

[É de longe]

É de longe
que mais nitidamente
as onduladas
cumeadas
se desenham.
O estrangeiro
é muitas
vezes o país
onde melhor se
recortam
contra o céu
azul da infância
os telhados
de casa
e as árvores
dos pátios.

sexta-feira, abril 27, 2012

[Cristiano Ronaldo]

Tu nem podes imaginar
entre as festas de Los Angeles com a Paris
Hilton e as conversas por telemóvel
com a Irina Shaik
ou quando vais a um restaurante de Lisboa
comer o bacalhau com natas
tanto da preferência dela
o mal que nos fazes
meu grande filho da mãe
por tão brilhantemente te desenvencilhares
no jogo da bola
e nos deixares estarrecidos a torcer
por ti
esquecendo que a tua camisola
é a branca
do Real Madrid.

Gostaríamos que soubesses
meu caro Cristiano Ronaldo
que nos chegamos a envergonhar de gritar o teu nome
em voz alta
como se pudéssemos esquecer a insídia
da contratação de Di Stéfano
quando Juan Francisco Paulino Hermenegildo
Teódulo Franco y
Bahamonde fazia de conta que gostava de futebol
apenas para que mais reluzentemente a Espanha
pudesse
afirmar-se na Europa e no resto do
mundo.

Tu és
meu caro Cristiano Ronaldo
a nossa pedra no sapato.
Hoje
por exemplo
quando vimos em menos de um minuto
dares a volta ao resultado
e humilhares o Barcelona na sua própria casa
tu sabes lá Cristiano Ronaldo
o quanto nos custou no mais
fundo do coração gritar o teu nome em voz alta
divididos entre seres português
e sabermos que o rei de
Espanha se dá ao luxo de fracturar a anca
por tropeçar de caçar elefantes no
Botswana e sorridente pousar com os bichos caídos ao lado
como se fizesse uma habilidade igual às tuas quando
te limitas a virar brilhantemente um resultado
num único minuto de milagre
levando-nos a ser de um clube a que não
gostaríamos de pertencer. Por

isso te pedimos muito
Cristiano Ronaldo
que compreendas o quanto perdemos de nós
sempre que gritamos
o teu nome
em voz alta.



21 Abril 2012.

quinta-feira, abril 19, 2012

[acendiam o lume]

As mulheres
fechavam as portas e as janelas
acendiam o lume
e ficavam
à lareira
a fazer
as camisolas
do inverno.
E era ainda
o verão.

terça-feira, abril 17, 2012

[Em todos os poemas há/ a casa]

Em todos os poemas há
a casa. Para que tudo possa começar
onde deve começar. No pátio
e na escaleira da entrada. Na porta
pintada de verde com o forro de zinco. Nos retratos
a sépia pendurados nas paredes
da sala. Na pedra da lareira. Nos corredores
a dar para a sombra dos quartos. Na varanda.
O mundo é uma repetida enunciação.

Depois vem a luz do verão. A luz intensa
que em vez das palavras
desloca os objectos. Uma travessa
de cerâmica. Um pote de ferro. O assador
das castanhas. A luz que fica agarrada aos vidros
das janelas. A luz que espalha nas traves do soalho
os losangos de haver muitas
afastadas vozes misturadas
às folhas dos álamos jovens.

E o inverno. Para que a tempestade
traga de longe o rumor do vento nos arames
das vinhas. Para que uma sombra possa repetir
todas as sombras
que o labirinto da idade abateu
sobre os corações desabitados.

Em todos os poemas há
a casa. Porque a casa é também o lugar
das viagens. Numa manhã dos meses de junho
alguém fala do tempo antigo das mulheres do rio
de janeiro como se a sede
pudesse matar-se com a água do cântaro
arrumado ao lado do escano.

Uma fotografia guardada num álbum
de fotografias. Numa das salas da casa.
Numa das gavetas da cómoda
que não sabemos se alguém
haverá de abrir. O poema. A desvalorizada moeda.
Onde havia uma casa
e o verão e o inverno
subiram um dia a escaleira de pedra.

segunda-feira, abril 09, 2012

[klee em 1938]



jcb. acrílico sobre papel de arroz.

quinta-feira, abril 05, 2012

[novembro]




jcb. acrílico sobre papel.

terça-feira, abril 03, 2012

[uma alegoria: paula rego]




jcb. acrílico sobre papel.

[segirei: março de 2012]



jcb. acrílico sobre cartão, 0.65x050 m.

quinta-feira, março 29, 2012

[6.]

EM VEZ DOS BASTIDORES

Em vez dos panos nos bastidores: a narrativa –
a linha descontínua de estrelas incineradas
com a língua
autóctone
a servir de espelho à água: a libertar-se
da âncora genealógica
pela destruição do livro
dos exemplos. E da meteorologia
o que retinham
era antes dos ciclones
a minúscula nuvem deslaçada do vento: até ao alicerce
e à raiz e à álgebra. E então aprendiam a ler
e a mover no ábaco
as doze contas
errando propositadamente
as sílabas antigas
todas.

quarta-feira, março 28, 2012

[5.]

A LOCOMOÇÃO

Ele dizia «eu movo-me
de ver crescer o trigo
na umbria». Porque há um momento
em que a heresia e a coragem se confundem
e a baixa densidade dos núcleos
remove
por intuição
a desmesura
das memórias
descritivas
dos interesses. Ele desenhava a cidade
a graffiti. Ele fazia as plantas
e os alçados
dos contentores das obras de restauro
e projectava os jardins
nas periferias
contra a cartografia dos planos
recentes. Ele dizia
«eu sou movido pela dissolução da água»
como se a locomoção
fosse uma questão
de regime.

terça-feira, março 27, 2012

[4.]

AS MÃOS

O temor
de que fosse pecado
a exaltação:
isso as levava a afastarem
da boca dos fornos
o ferro
e o alumínio. E recuavam
deixando na pedra
os aventais azuis
para que a massa resplandecesse
na divisória
incandescente
à rarefacção do ar.
E ouvia-se ao
longe o rumor contínuo do tempo. As mãos
a procurar ainda –
a esconder ainda:
o lareiro das fornalhas, a levedação,
os milagres.

quinta-feira, março 22, 2012

[3.]

A LABAREDA AZUL

Em vez do pavio aceso –
trazia à loja os rastilhos de cerâmica. E guardava
a luz irregular
do petróleo
erguendo-a
nos candeeiros de vidro.
Os sacos de sementes e o tendal –
esse pó levantado: a sombra irrespirável
a queimar os pulmões dos fantasmas
debruados a sépia
nas capas
dos livros
das estantes. E a apagar a chama
e a acendê-la de novo.
E vinha então a dissensão
e
espalhava nas divisões da casa
a labareda azul
da resina.

quarta-feira, março 21, 2012

[2.]

A ENERGIA EÓLICA

Para respirar
eu procurava nesse tempo as vagarosas pás
dos aerogeradores.
Corria o agosto
e discutia-se o estilo
nas esplanadas das praças. E alguém dizia «o verso,
a semiótica»
e adormecia
de caírem
com a calma
as aves
nos relvados. Outros
[por exemplo]
defendiam a obscuridade
e usavam a álgebra e logaritmos
e traziam som e estrados portáteis a que se acedia
pela levitação.
Só eu não tinha uma teoria
e preenchia
os impressos das finanças:
corria o agosto e
nesse tempo [lembro-me]
a energia eólica
deduzia-se
dos impostos.

terça-feira, março 20, 2012

[seis poemas para uma obra colectiva. 1.]

OS QUE SE DEDICAM ÀS ARTES CÉNICAS

Agora me lembro –
do fundo das noras erguia-se
a labareda
das rosas
dos quintais.
Aprendera a respirar
abaixo
da linha de água.
Mas não era possível ainda
enlouquecer
pela perseverança
nas artes cénicas. E então as mulheres dos montes
viravam os estrados
para o lado de dentro
dos teatros
como se o luxo
da estreia
fosse quase insuportável
e irradiasse nos espelhos
das cerimónias. Agora me lembro –
do modo como o pêndulo
na imensa manhã desse tempo
oscilava
nos ensaios
e
ia e
vinha.

segunda-feira, março 19, 2012

[eraser, 7]




jcb. tinta plástica sobre tela, 0.80x0.60 m.

sexta-feira, março 09, 2012

[Os Investimentos, 2]

Era o frio
que trazia as rezas e os louvores.
Era quando os fantasmas do esquecimento
atravessavam as divisórias
dos quartos.

A névoa ficava poisada nos campos
e depois deslaçava vagarosamente
para que a neve descesse
das cumeadas
distantes.
Uma imensa navalha de silêncio
cortava os vales
como se fizesse uma incisão
num corpo adormecido
nos arames
das vinhas.

E então rezava-se em voz alta
como se estarmos vivos
dependesse
de nos ouvirmos
uns aos outros. E o eco das orações
atravessava
os campos de pousio.

Havia sempre alguém
que desconhecia
os mitos. Havia sempre alguém
que saía à rua
nestas tardes paradas
como a água
dos aquários
das casas
em ruína.

O cão das múltiplas cabeças
guardava os labirintos
subterrâneos
à entrada
da mina
das nascentes.
Parecia afável.

E havia sempre alguém
que se aproximava
e entrava
sem saber
que nunca se regressa
dos lugares
ausentes.

quinta-feira, março 08, 2012

[Os Investimentos, 1]

Não éramos felizes
se a felicidade é esse reconhecimento de
que chegámos a um lugar ou um estádio
desenhado nos mapas. Não tínhamos projectos
e estávamos além disso.
Só não sabíamos
que tínhamos
tudo.

Nas tardes quentes dos meses de julho
gostávamos de ficar assim
nas esplanadas
ou nas mesas das tabernas das aldeias
a ver apenas o tempo
a envelhecer
enquanto bebíamos cerveja
pelas garrafas. Chegava o inverno
e a nossa idade
era a mesma
em redor das lareiras
acesas.

Há uma fotografia de grupo
em que os nossos rostos parecem
atravessados pela luz improvável
das profecias. Como se não vivêssemos
onde estávamos
ou não fôssemos contemporâneos
do tempo
que vivíamos.

quarta-feira, março 07, 2012

[eraser, 6]



jcb. acrílico sobre papel, 0.80x0.60 m.

terça-feira, março 06, 2012

[klee em 2012. fragmento]



jcb. acrílico sobre papel.

[eraser, 5]



jcb. acrílico sobre radiografia.

sexta-feira, março 02, 2012

[eraser, 4]

apagar as imagens invertidas pelos espelhos
deixar apenas a luz ainda breve dos
meses de abril caída nos muros
a alusão da árvore
uma linha estreita a separar a
casa e o espaço das ausências

as crianças não aparecem no retrato
mas é
como se estivessem lá
partir é
quase sempre um imposto voluntário

[eraser, 3]

foi quando disseste «eu
quero ser estrangeiro»
chegamos quase sempre tarde

[eraser, 2]



jcb. acrílico sobre tela, 0.70x0.50 m.

quinta-feira, março 01, 2012

[eraser]




jcb. técnica mista sobre tela, 0,60x0,60 m.

domingo, fevereiro 26, 2012

[lado B]



jcb. marcador sobre papel.

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

[O verso inúmero]

Crescia nas vagarosas várzeas
o rumor das flores da
urze. E passavam nos largos
a caminho de casa
as mulheres com cântaros
castanhos à cabeça. Antes ainda
da manhã de março
florescia nos vasos de vime
o verso inúmero
da aliteração.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

[um desenho totó]



jcb. desenhado na aplicação Adobe Ideas para iPad.

terça-feira, fevereiro 14, 2012

[duas versões: murnau, 1911]




jcb. pastel sobre cartão.



jcb. técnica mista (óleo, acrílico, pastel) sobre tela.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

[As frases erradas]

Conto as sílabas pelos dedos
porque a ética e a estética se confundem

nas noites demoradas dos bares da península
o capitão de longo curso confessava
não temer os piratas e os seus códigos de honra
mas a vileza do lucro dos mais próximos
as frases erradas dos naufrágios

terça-feira, janeiro 31, 2012

[Não tenho nada]

Não tenho nada. Não quero
ter nada. E já nem procuro a tesoura
ou o holofote
que cortassem ou desviassem
a sombra dos arbustos
inclinados
dos quintais.

segunda-feira, janeiro 30, 2012

[gps]

Virei à esquerda como nesse dia
em que fugimos da estrada principal
com a certeza de que era
possível encontrarmo-nos um no outro.
A voz do sistema de navegação
do automóvel insiste
que vire à direita. Comecei por sorrir: o que sabem
as máquinas das coisas da alma?
E afinal o gps apenas estava tão enganado
como eu.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

[talvez o destino resulte do somatório de todos os acasos]



[Agora apenas à espera de editor]

Não li nenhum tratado sobre «Como Escrever um Romance». Mas não deve ser assim que consta: a espaços, aproveitando uma tarde depois da pesca, uma noite no Gardunho, um fim de semana em Vilar, um sábado e outro, uma noite depois do jantar, um domingo nos jardins da Casa de Cacela. Às vezes com intervalos grandes entre uma frase e outra. Às vezes havendo que reler tudo para retomar um fio. Aos poucos. Entre finais de 2009 e finais de 2011. A verdade é que o esboço ficou concluído antes do fim do ano, e que agora (ainda aos bocadinhos) se procede a uma revisão final: suprimir adjectivos e frases inteiras, substituir uma palavra por outra mais corrente, corrigir cronologias desacertadas.

Seja como for: depois de todos estes pequenos e inúmeros espaços e tempos de reclusão é uma sensação agradável ver os esboços transformados num original de duzentas e trinta e sete páginas agora à espera, apenas, de editor.

quarta-feira, janeiro 11, 2012

[Os remadores de Gustave Caillebotte]



jcb. desenhado na aplicação Adobe Ideas para iPad.

[literatura light]

como é que os autores dos
romances cor de rosa
vestem os filhos se
lhes sai um rapaz?

terça-feira, janeiro 10, 2012

[outra versão]



jcb. desenhado na aplicação Adobe Ideas para iPad.

cinema, 4

na vida real o
actor desculpava-se com frequência
de não ter ainda
decorado
o papel

[a largar os horizontes]

na última aula do curso
deformação profissional
pago pela comunidade europeia e
pelo centro de emprego
a senhora dos andares confessou que
não aprendera a fazer melhor as camas
nem a limpar melhor o pó dos móveis
ou as casas de banho do hotel
mas que sabia agora mais coisas
do mundo e de si própria
e que estranhamente se sentia agora
mais triste e desgraçada e inútil
depois de vinte e dois
anos sucessivos a deambular debalde
e esfregona entre corre dores e eleva dores
entre singles e suites
e que só lhe apetecia chorar

segunda-feira, janeiro 09, 2012

[Uma árvore]

Um dia compreendemos: quando se corta
mais uma árvore da infância
não é o amor às árvores
o que traz ao rosto a lágrima exasperada
das nascentes da água. É só que morremos
repetidamente nesse preciso instante
em que as raízes se erguem no ar
e uma ave regressa ao obscuro refúgio
da floresta das ausências.

[Caderno de Viagem: Anambô e Lagoa Azul]

jcb


domingo, janeiro 08, 2012

[Os canais de rega]

A ecologia é matar o animal
que ronda o pátio e limpar os canais
de rega quando nas terras
de herdeiros se aproxima
o tempo das águas de aviação.

sexta-feira, janeiro 06, 2012

quarta-feira, janeiro 04, 2012

[um dia de chuva]


jcb. caneta sobre toalha de papel.

[cinema, 3]

Como se fosse um emprego
fechava todos
os bares

[cinema, 2]

Só ficaste nua
quando trocaste a minha
camisola pela tua

[direcções, 2]


jcb. pastel sobre cartão.

segunda-feira, janeiro 02, 2012

o ano novo

O mais fácil é varrer as ruas depois do alvoroço
limpar o lixo
as malhas de gordura dos mosaicos
recolher os vidros partidos das
garrafas nos passeios
mudar o calendário da parede
é o mais fácil
assim a alma viesse nova com
o ano novo
assim pudéssemos depois da meia noite
poisar as mãos limpas no tabuleiro das mesas
ou escrever um verso
como se essas palavras estivessem
pela primeira vez
a escrever-se
nas páginas
dos livros